segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Artur Sabia Que ia Morrer

(REPUBLICAÇÃO DE UMA HISTÓRIA POSTADA EM 2009, COM A NOVA ORTOGRAFIA)

Artur escrevia coisas que ninguém lia: nem seus pais, nem seus amigos, nem seus colegas de trabalho, nem mesmo a própria namorada.

Seus escritos eram, na verdade, uma autobiografia. Tudo era feito em uma pequena máquina de escrever, tipo Olivetti portátil. Sim, este caso aconteceu há mais de 25 anos.

Artur começou a escrever a sua história de vida no ano de 1978, quando ele contava com a idade de 20 anos. O motivo de escrever a própria biografia foi uma forte decepção que sofrera alguns dias antes: a namorada o havia traído com o seu melhor amigo. Aquele acontecimento marcou, para sempre, a vida de Artur.

Enquanto Artur estava em seu quarto, datilografando, ninguém ousava perturbá-lo. Não que ele tivesse uma autoridade retumbante dentro de sua casa. É que, de fato, se alguém fosse interrompê-lo, ele logo queria mostrar para a pessoa o que estava escrevendo... e como ninguém queria ler o que ele escrevia, o melhor era deixá-lo trancafiado no quarto, enquanto ele estivesse escrevendo. Bom, era isso o que pensavam seus pais, o irmão Roberto, a empregada Luciana e a namorada Beatriz, que, por muitas vezes, foi em vão à casa de Artur. Ele estava metido no quarto, escrevendo, e ela nem se atrevia a bater naquela porta para chamá-lo.

Mas... por que todo o mundo repudiava as coisas que Artur escrevia se... nunca ninguém havia lido uma linha sequer de seus textos?

Esse é o grande mistério da coisa. Os pais diziam, na época, que algo “esquisito” os repelia; a empregada insistia que “sentia calafrios” ao chegar perto daquela máquina de escrever. Os colegas e amigos também não demonstravam um pingo de interesse pela literatura de Artur. Já a namorada confessou, certa vez, que “sentiu vontade de agredir Artur um dia em que ele entregou-lhe uma folha de papel datilografada, pedindo que ela lesse o que ele havia escrito”.

Curiosamente, Artur não se importava com esse desprezo inexplicável de sua pretensa plateia particular. Aliás, ele escrevia sozinho, para ele mesmo, sem nunca ter pensado em publicar seus textos. Jamais, em tempo algum, procurou contato com alguma editora ou mesmo um jornal pequeno. Artur só queria despejar seus sentimentos no papel por meio daquela maquininha de escrever. Nada além disso...

Certa manhã, Artur se levantou mais cedo do que o costume, tomou banho – coisa que jamais fazia ao levantar-se -, desceu, olhou os pais e o irmão, fez questão de tocá-los no ombro e disse:

- Desejo a todos muita felicidade. Estou indo...

Naquela manhã, Luciana, a empregada havia saído cedo para ir à feira. No meio do caminho, Artur acabou encontrando-se com ela, carregando uma sacola cheia de legumes, verduras e frutas:

- Aonde vai tão apressado? – perguntou a bela morena.

- Te desejo muita felicidade, Lu. Estou indo...

Artur continuou seu caminho, em direção ao fim da rua, onde havia um terminal de ônibus.

Luciana, de onde estava, ficou parada no meio da rua, olhando Artur se afastar. De acordo com ela, um arrepio muito forte correu-lhe pela espinha. Logo, seus olhos estavam cheios de lágrimas.

A empregada chegou chorando em casa. Os patrões nada perceberam, mas Roberto, o irmão de Artur, sim:

- O que foi, Luciana? Por que chegou chorando?

Desesperada, Luciana se atirou no peito de Roberto:

- Ai, Roberto... O Artur... Ele estava esquisito agora há pouco...

- Também achei isso... Saiu de casa sem tomar café... Falou umas coisas estranhas... como se estivesse se despedindo da gente...

- Eu também senti isso! – disse a empregada, chorando convulsivamente.

Do outro lado da cidade, Artur chegou à empresa onde trabalhava e repetiu o ritual do início da manhã, dizendo a todos o que havia dito aos pais, ao irmão e à empregada da casa:

- Desejo a vocês toda a felicidade do mundo. Estou indo...

Ninguém entendeu nada. Indo para onde se Artur mal acabara de chegar?

O rapaz dizia frases desse tipo, virava as costas e saía. E ninguém ia atrás. Todos ficavam estáticos, pasmados, sem entender patavinas do que Artur estava falando.

Às 13h30 daquele dia, Artur pegou um ônibus para o centro da cidade. Não passou a catraca. Sentou-se no último banco, ao lado da janela, e ficou admirando a paisagem do lado de fora, como se fosse a última vez que ele estivesse vendo todas aquelas ruas, carros, postes, pessoas...

De repente, sentou-se ao lado de Artur um homem mal-encarado, de seus 30 anos, que colocou um revólver na altura do seu abdômen e disse, baixinho:

- Passa tudo o que tu tem aí, senão te despacho pro demo!

Artur fingiu que não havia ouvido e continuou olhando para o lado de fora. O bandido apertou o revólver com força contra o abdômen de Artur e voltou a falar, dessa vez com mais raiva:

- Passa a grana ou morre!

O ônibus estava vazio na parte de trás. O cobrador, distraído, papeando com o motorista. Dois passageiros mais à frente pensando na vida...

Artur olhou para o ladrão e disse:

- Não te dou grana nenhuma! Atire, se quiser!

E o bandido deu dois tiros certeiros em Artur, matando-o instantaneamente. Com o revólver, fez ameaças para o motorista e ordenou que este abrisse a porta traseira do coletivo. Fugiu a pé, sem roubar nada.

Quando a notícia do assassinato de Artur chegou a sua casa, seus pais entraram em choque. Mas foi Luciana, a empregada, quem teve a ideia de ir fuçar os escritos de Artur: “Não sei por que, mas uma coisa dentro de mim mandou eu espiar o que ele tinha escrito na noite anterior”.

Luciana entrou correndo no quarto de Artur e viu uma folha na máquina de escrever, escrita pela metade. O que estava escrito? Tudo, em detalhes, o que havia acontecido desde que Artur se levantara naquela manhã, inclusive o modo como ele havia morrido...

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domingo, 6 de setembro de 2020

MORAR DE FAVOR É HUMILHANTE

 

MORAR DE FAVOR É HUMILHANTE

Como disse em postagens anteriores, vivo de favor na casa de uma amiga (Sandra) desde 2004.

Quando eu estava trabalhando de forma regular conseguia, a duras penas, contribuir com algumas poucas despesas da casa como a conta de água, por exemplo.

Hoje, sem trabalho algum, sem poder contribuir com nada, me sinto humilhado por estar jogando nas costas da Sandra todas as despesas. É que eu como, uso o gás que ela compra, uso energia elétrica que ela paga (a conta é altíssima, apesar de usarmos lâmpadas econômicas em toda a casa), e assim por diante. Em resumo: eu sou um pesado fardo para a Sandra.

Nestes meses de pandemia, tenho procurado serviços como freelancer em diversos setores ligados a minha profissão (jornalista). De maio para cá, fiz mais de 500 contatos. Desses 500 contatos, uns 20 responderam aos meus e-mails, dizendo, quase sempre, a mesma coisa: estamos parados devido à pandemia, mas vamos ficar com o seu contato e, quando tudo isso acabar, vamos procurá-lo. É lógico que eu não acreditei, pois a maioria diz isso quase que com as mesmas palavras.

Houve casos em que me disseram, sem um pingo de pudor, que eu teria que PAGAR PARA TRABALHAR. Isso aconteceu há algumas semanas, quando fiz contato com um jornal gaúcho, oferecendo uma coluna de variedades, sem falar em valores. Apenas perguntei a eles quanto eles poderiam me pagar, que qualquer valor seria bem-vindo. A resposta deles foi esta: "Amigo, nós não pagamos nada. Mas cobramos R$ 40 dólares por coluna". O cidadão que me respondeu não sabe nem escrever o português corretamente e não deixou claro que o valor da coluna era 40 reais ou 40 dólares.

Voltando um pouco no tempo, lá pelo mês de abril, entrei em contato com uma produtora de jogos para o ambiente digital, a fim de fazer uma parceria. E enviei as regras de um jogo que criei em 2002, intitulado TEMPO É DINHEIRO. A resposta deles, resumindo bem, foi esta: o jogo é muito interessante e viável. O investimento inicial é de R$ 60 mil. Vamos fechar um acordo? Diante disso, eu perguntei QUANTO eu ganharia com o jogo por mim criado. Então, veio uma resposta mais nítida: EU teria que investir, inicialmente, R$ 60 mil. Isso significa que EU TENHO QUE PAGAR. Que parceria é essa? Só eles ganham? E eu?

Conclusão de tudo isto que eu escrevi até agora: morar de favor é humilhante. Eu tenho que me sujeitar às regras da casa, que é da Sandra, e não tenho um pingo de moral e respaldo econômico para reclamar de nada. Tenho que dançar conforme a música.  

Não vejo luz no fim do túnel. A Sandra, até hoje, fez tudo o que pôde por mim, eu apenas gostaria de ter um bom rendimento mensal para tentar retribuir, pelo menos um pouco, o que ela fez por mim nestes últimos 16 anos. Mas ninguém deixa. Querem que eu pague para trabalhar. Querem que eu pague para ver um jogo meu produzido. 

No próximo post, mais detalhes do inferno que estou vivendo nestes tempos de pandemia.



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