(REPUBLICAÇÃO DE UMA HISTÓRIA POSTADA EM 2009, COM A NOVA ORTOGRAFIA)
Artur escrevia coisas que ninguém lia: nem seus pais, nem seus amigos, nem seus colegas de trabalho, nem mesmo a própria namorada.
Seus escritos eram, na verdade, uma autobiografia. Tudo era feito em uma pequena máquina de escrever, tipo Olivetti portátil. Sim, este caso aconteceu há mais de 25 anos.
Artur começou a escrever a sua história de vida no ano de 1978, quando ele contava com a idade de 20 anos. O motivo de escrever a própria biografia foi uma forte decepção que sofrera alguns dias antes: a namorada o havia traído com o seu melhor amigo. Aquele acontecimento marcou, para sempre, a vida de Artur.
Enquanto Artur estava em seu quarto, datilografando, ninguém ousava perturbá-lo. Não que ele tivesse uma autoridade retumbante dentro de sua casa. É que, de fato, se alguém fosse interrompê-lo, ele logo queria mostrar para a pessoa o que estava escrevendo... e como ninguém queria ler o que ele escrevia, o melhor era deixá-lo trancafiado no quarto, enquanto ele estivesse escrevendo. Bom, era isso o que pensavam seus pais, o irmão Roberto, a empregada Luciana e a namorada Beatriz, que, por muitas vezes, foi em vão à casa de Artur. Ele estava metido no quarto, escrevendo, e ela nem se atrevia a bater naquela porta para chamá-lo.
Mas... por que todo o mundo repudiava as coisas que Artur escrevia se... nunca ninguém havia lido uma linha sequer de seus textos?
Esse é o grande mistério da coisa. Os pais diziam, na época, que algo “esquisito” os repelia; a empregada insistia que “sentia calafrios” ao chegar perto daquela máquina de escrever. Os colegas e amigos também não demonstravam um pingo de interesse pela literatura de Artur. Já a namorada confessou, certa vez, que “sentiu vontade de agredir Artur um dia em que ele entregou-lhe uma folha de papel datilografada, pedindo que ela lesse o que ele havia escrito”.
Curiosamente, Artur não se importava com esse desprezo inexplicável de sua pretensa plateia particular. Aliás, ele escrevia sozinho, para ele mesmo, sem nunca ter pensado em publicar seus textos. Jamais, em tempo algum, procurou contato com alguma editora ou mesmo um jornal pequeno. Artur só queria despejar seus sentimentos no papel por meio daquela maquininha de escrever. Nada além disso...
Certa manhã, Artur se levantou mais cedo do que o costume, tomou banho – coisa que jamais fazia ao levantar-se -, desceu, olhou os pais e o irmão, fez questão de tocá-los no ombro e disse:
- Desejo a todos muita felicidade. Estou indo...
Naquela manhã, Luciana, a empregada havia saído cedo para ir à feira. No meio do caminho, Artur acabou encontrando-se com ela, carregando uma sacola cheia de legumes, verduras e frutas:
- Aonde vai tão apressado? – perguntou a bela morena.
- Te desejo muita felicidade, Lu. Estou indo...
Artur continuou seu caminho, em direção ao fim da rua, onde havia um terminal de ônibus.
Luciana, de onde estava, ficou parada no meio da rua, olhando Artur se afastar. De acordo com ela, um arrepio muito forte correu-lhe pela espinha. Logo, seus olhos estavam cheios de lágrimas.
A empregada chegou chorando em casa. Os patrões nada perceberam, mas Roberto, o irmão de Artur, sim:
- O que foi, Luciana? Por que chegou chorando?
Desesperada, Luciana se atirou no peito de Roberto:
- Ai, Roberto... O Artur... Ele estava esquisito agora há pouco...
- Também achei isso... Saiu de casa sem tomar café... Falou umas coisas estranhas... como se estivesse se despedindo da gente...
- Eu também senti isso! – disse a empregada, chorando convulsivamente.
Do outro lado da cidade, Artur chegou à empresa onde trabalhava e repetiu o ritual do início da manhã, dizendo a todos o que havia dito aos pais, ao irmão e à empregada da casa:
- Desejo a vocês toda a felicidade do mundo. Estou indo...
Ninguém entendeu nada. Indo para onde se Artur mal acabara de chegar?
O rapaz dizia frases desse tipo, virava as costas e saía. E ninguém ia atrás. Todos ficavam estáticos, pasmados, sem entender patavinas do que Artur estava falando.
Às 13h30 daquele dia, Artur pegou um ônibus para o centro da cidade. Não passou a catraca. Sentou-se no último banco, ao lado da janela, e ficou admirando a paisagem do lado de fora, como se fosse a última vez que ele estivesse vendo todas aquelas ruas, carros, postes, pessoas...
De repente, sentou-se ao lado de Artur um homem mal-encarado, de seus 30 anos, que colocou um revólver na altura do seu abdômen e disse, baixinho:
- Passa tudo o que tu tem aí, senão te despacho pro demo!
Artur fingiu que não havia ouvido e continuou olhando para o lado de fora. O bandido apertou o revólver com força contra o abdômen de Artur e voltou a falar, dessa vez com mais raiva:
- Passa a grana ou morre!
O ônibus estava vazio na parte de trás. O cobrador, distraído, papeando com o motorista. Dois passageiros mais à frente pensando na vida...
Artur olhou para o ladrão e disse:
- Não te dou grana nenhuma! Atire, se quiser!
E o bandido deu dois tiros certeiros em Artur, matando-o instantaneamente. Com o revólver, fez ameaças para o motorista e ordenou que este abrisse a porta traseira do coletivo. Fugiu a pé, sem roubar nada.
Quando a notícia do assassinato de Artur chegou a sua casa, seus pais entraram em choque. Mas foi Luciana, a empregada, quem teve a ideia de ir fuçar os escritos de Artur: “Não sei por que, mas uma coisa dentro de mim mandou eu espiar o que ele tinha escrito na noite anterior”.
Luciana entrou correndo no quarto de Artur e viu uma folha na máquina de escrever, escrita pela metade. O que estava escrito? Tudo, em detalhes, o que havia acontecido desde que Artur se levantara naquela manhã, inclusive o modo como ele havia morrido...