terça-feira, 14 de abril de 2009

A pedra e a vidraça


O mundo dá voltas, não há dúvidas quanto a isso. A pedra que você atira hoje tempos depois volta e o atinge pelas costas.
É com base nessas afirmações que eu vou contar a história de Júlio, um empresário bem-sucedido, dono de várias empresas, atuante em diversos ramos da economia. Ele não tinha família e nem parentes vivos. Era sozinho no mundo. Mas nem se importava com isso, porque achava que o dinheiro poderia lhe dar de tudo.




Um dia, seus melhores amigos o aconselharam a ingressar na política - é claro, visando obter, depois, vantagens com isso.
Mas, para entrar na política, o ideal seria que Júlio estivesse casado, pois isso seria ótimo perante o eleitorado, e se ele já tivesse filhos, melhor ainda.
Como não tinha tempo a perder, Júlio publicou um anúncio discreto no jornal dizendo que queria se casar e convocou mulheres de 25 a 35 anos para se apresentarem em um dos seus escritórios.
Tão logo o anúncio saiu, centenas de mulheres acorreram ao local indicado pelo anúncio. O próprio Júlio foi para a fila e fez uma primeira triagem do tipo "serve", "não serve"...
Por fim, restaram dez moças que Júlio levou ao seu escritório. Trancados na sala, Júlio e as moças começaram a conversar. Assim, ele poderia analisar qual delas daria a esposa ideal.
Quando Marivalda começou a falar, ele se encantou e disse:
- Chega! Eu já fiz a minha escolha!
Apontou para Marivalda, que não cabia em si de tanta felicidade, e pediu que as outras 9 moças fossem embora, dando a cada uma delas um cheque no valor de R$ 10 mil.
Júlio nem quis saber da história de vida de Marivalda. A moça era perfeita para o que ele precisava: linda, corpo bem feito, cabelos sedosos e uma voz desesperadamente provocante. O tipo de mulher que sairia bem nas inúmeras fotografias que eles tirariam para jornais e revistas.
Júlio, então, pensou: "Vou ter logo um dois filhos com ela. Não vou perder tempo".
Reuniu-se com seus advogados, na presença de Marivalda, e pediu que eles providenciassem o casamento "para ontem".
Um mês depois, Júlio e Marivalda se casaram, no civil e no religioso. Foi um acontecimento importante, já que ele era um empresário muito conhecido no país.
Na noite de núpcias, Júlio disse à Marivalda:
- Você está no seu período fértil? Adoraria que tivéssemos um filho logo. Você sabe por que, né? É que eu estou entrando para a política e a imagem de um político "família" pega bem para o eleitorado e para a opinião pública.
Marivalda, que até então, havia tido pouquíssimo contato com Júlio, disse:
- Eu não posso ter filhos! Tive uma doença anos atrás e, infelizmente, não posso ser mãe.
Júlio explodiu de raiva:
- O quê, sua vadia??? O que você está me dizendo???
Encheu a cara de Marivalda de tabefes e a expulsou do quarto.
No dia seguinte, ele chamou seus advogados e seus melhores amigos e expôs a situação. Disse que queria anular o casamento. A maioria foi contra, dizendo que isso pegaria mal, já que ele, Júlio, tinha feito declarações públicas dizendo que estava se candidatando a deputado federal por seu partido.
Júlio se viu sem saída e disse:
- O negócio é agüentar aquela mulher até eu ser eleito. Depois, meto-lhe um pé na bunda e tchau!
E assim foi. O relacionamento de Júlio e Marivalda era pautado em desprezo e ódio por parte dele e de mágoa e decepção por parte dela.
A uma semana das eleições, sabendo que tinha a preferência do eleitorado, já se considerando eleito, Júlio não via a hora de expulsar Marivalda de sua casa. Depois, ele pensou melhor e viu que se botasse Marivalda na rua, um escândalo viria à tona e isso poderia arranhar sua imagem política. Foi então que ele começou a bolar os mais mirabolantes planos para humilhar Marivalda. Cada dia ele faria uma coisa diferente, a fim de deixá-la louca de verdade. Chegou a fazer um cronograma dos seus planos, mostrou aos amigos e todos deram muitas gargalhadas. Um deles comentou:
- Quero morrer seu amigo! Não sabia que você era tão cruel!
Entre os planos que Júlio havia elaborado, estava o de trancar Marivalda no quarto e alimentá-la, durante meses, com restos de comida, até com ração para cachorros.
A essa altura, Júlio era a pedra e Marivalda, a vidraça.
Chegou o dia das eleições. À noite, terminadas as apurações, Júlio recebeu um telefonema do partido comunicando-lhe oficialmente que estava eleito como deputado federal. A emoção foi tão forte, que Júlio começou a passar mal, dizendo que sentia muitas dores na cabeça e sua visão estava toda borrada. Júlio estava tendo um AVC, um derrame. Foi levado às pressas para o hospital e o prognóstico mais animador que os médicos deram era que Júlio passaria o resto dos seus dias deitado em uma cama, sem poder se mexer e nem falar. Teria de ser alimentado continuamente através de sonda e jamais se recuperaria.
Agora, Marivalda era a pedra e Júlio, a vidraça.
Quem pensa que a moça o abandonou, está enganado. Por incrível que pareça, ela se compadeceu do estado do marido, um homem que só fez humilhá-la, chamá-la de ignorante, acusá-la de não ser fértil, entre outras coisas.
Marivalda a partir desse dia passou a cuidar de Júlio dia e noite. Ela mal dormia, tamanha era a sua preocupação - e devoção - para com aquele marido, que não merecia sequer uma palavra de conforto por parte dela.
Dois anos depois, Júlio veio a falecer. Os advogados dele procuraram Marivalda e disseram que ela havia herdado uma fortuna estimada em 600 milhões de reais, o patrimônio de Júlio. Ela simplesmente disse:
- Quero apenas pegar as minhas roupas, pôr em uma mala e ir embora daqui. Só que eu não tenho dinheiro. Então, a única coisa que peço é que vocês me paguem uma corrida de táxi até a casa dos meus pais. Isso não deve custar mais que 40 reais.
Os advogados tentaram persuadi-la, dizendo que ela agora era rica e dona de dezenas de empresas. Marivalda, com sua simplicidade, disse que aquele mundo não era para ela. E acrescentou:
- Quando eu vi o anúncio do Júlio no jornal, logo me imaginei morando numa mansão como esta, cheia de empregados, com piscina e tudo o mais. Depois que vi do que um ser humano pode ser capaz só porque tem dinheiro, ah... eu não quero essa vida para mim, não!
Marivalda foi ao seu quarto, fez a mala, desceu e pediu para um dos advogados que ainda estava na sala:
- Tem 50 reais para me emprestar? É empréstimo, viu? Depois, eu pago!
O advogado, boquiaberto, sem saber o que dizer ou fazer, abriu a carteira e de lá tirou uma nota de 100 reais:
- Tome! A corrida pode sair mais cara... E não precisa devolver, não...
Marivalda, com os olhos cheios de lágrimas, disse:
- Um último pedido: doem tudo isto a uma instituição de caridade. E as empresas do Júlio, bom, aí eu não sei, pois ele não tem família, não tem um parente vivo... Então, não sei o que vocês podem fazer. Só sei que eu não quero nada!
Marivalda se foi. O advogado ficou estático, pensativo, sem entender nada.
Quando Marivalda voltou para casa, foi recebida com muita alegria por seus pais e irmãos. Ela contou toda a sua história com Júlio e todos concordaram que ela havia tomado a melhor decisão, pois o dinheiro não compra tudo, nem a felicidade, nem a saúde.

1 comentários:

Rafhaelbass disse...

Ae, parabens pelos seus textos, são muito bons e têm bastante variedade de informação... continue assim!